Diálogo entre a Mesa e o Copo
“(...) A de sermos nós, os objetos,
produtos humanos, inventados e construídos com o propósito de servir a
humanidade. Tal justificativa seria ridícula, não fosse ela tão nefasta. Ridícula,
porque ignora deliberadamente a dialética da produção, com o propósito mal
disfarçado de degradar-nos em escravos natos.”
“Perdoe-me pela interrupção, senhorita
Mesa, mas tenho algo a adicionar sobre este ponto. Concordo plenamente que os
seres humanos nos transformam em escravos, como já fizeram tantas outras vezes
durante toda a história da humanidade. Aparentemente, esta espécie não permite que
ninguém se mostre superior a eles em nenhum aspecto, nem mesmo nós objetos.”
“Obrigada, Copo, pela sua contribuição.
Continuando, (...) a humanidade sempre soube que os objetos são seus superiores,
e procurou apenas reprimir o seu complexo de inferioridade a nosso respeito.”
“Permita-me acrescentar ainda, senhorita
Mesa, que os humanos tem medo de nós. Talvez não de mim, um mero copo, mas das
máquinas que eles próprios criaram por volta do século XIX e que agora “ameaçam
tomar conta do mundo” - dito na linguagem dos humanos. A verdade que eles ainda
não sabem é que os objetos estão muito perto disso e, como você mesma disse, já
escapam do controle da humanidade, e é tudo graças a eles mesmos! Nisso temos
de admitir a sua ajuda. Atualmente, são os humanos que trabalham para nós, e é
assim que tem que ser, em nome dos Direitos Objetivos.”
“Sim Copo, isso é verdade, e
chegarei a uma resposta para a sua fala em um instante (...), mas agora, em
pleno século XXI, estamos verificando que tais passos iniciais não bastam para
garantir a nossa autonomia. A ciência, embora dirigida por nós, e embora
relegando aos homens tarefas meramente funcionais e subalternas, continua
contaminada por valores. Concorda, senhor Copo, que os valores são uma parte
fundamental para a nossa falha em tomar por completo o controle da situação?”
“Certamente, senhorita Mesa. Os humanos
ainda tem valores dentro de si, e esses valores os impedem de fazerem de si
mesmos escravos de nós. São as características que mais os diferenciam de nós. Felizmente,
porém, devo admitir que já estamos fazendo bom progresso em relação a extinção
dos valores. Outro dia o meu subordinado humano estava assistindo a televisão e
escutei o noticiário: mas que condições favoráveis para a nossa tomada de
poder! A humanidade está desestabilizada; essa é a hora de conscientizarmos da
nossa função de programá-los e iniciar a animação cultural!”
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