Os conceitos de Hertzberger analisados dentro de minha realidade
Antes de apresentar os conceitos e os exemplos que trouxe com base no livro Lições de Arquitetura, do Hertzberger, gostaria de salientar que a minha casa se encontra em uma vila familiar composta por seis casas, de tios, tias e avôs.
POLIVALÊNCIA
O meu quarto é um espaço quadrado de aproximadamente
12 metros quadrados, com uma janela que dá para a varanda. Os objetos inseridos nele não são presos ao espaço - com
exceção da cômoda e do guarda-roupa - o que significa que posso mudá-los de
lugar e dispô-los da maneira que achar mais agradável, e se eu tirar a cama e
substituí-la por um sofá, por exemplo, o espaço pode virar uma sala de estudos.
Essa possibilidade de mudança que o espaço oferece é caracterizado como
polivalência por Hertzberger. Mais especificamente, ele aborda a polivalência como
“uma forma que se preste a diversos usos sem que ela própria tenha de sofrer
mudanças, de maneira que a flexibilidade mínima possa produzir uma solução
ótima” (pág. 147).
Outro exemplo de polivalência em menor
escala é a utilização de um Puff, com sua função natural de ser lugar para
sentar, como substituição de uma mesinha de cabeceira, visível na foto acima. O
outro Puff, não visível na foto, adquire um uso menos ideal como um lugar para empilhar
qualquer coisa que não cabe na escrivaninha, como livros, roupas e almofadas
que só uso durante o dia. Percebe-se que nenhum Puff do meu quarto é utilizado
para sua função original, que é sentar, pois sempre estão servindo de apoio para
outros objetos. Para Hertzberger, “a maior parte dos objetos e das formas
possui além do objetivo para o qual foram projetados e ao qual geralmente devem
o seu nome, um valor adicional e potencial e, portanto, maior eficácia” (pág.
148).
DEMARCAÇÕES
TERRIORIAIS
“Uma
área aberta, um quarto ou um espaço poder ser concebidos como um lugar mais ou
menos privado ou como uma área pública, dependendo do grau de acesso, da forma
de supervisão, de quem o utiliza, de quem toma conta dele e suas respectivas
responsabilidades” Hertzberger, (pág. 14).
Por
mais que a vila em relação à rua é um espaço privado, a vila em relação à minha
casa é um espaço semi-público. Já meu quarto é um espaço privado em relação a
outros cômodos da casa como sala ou cozinha, uma vez que o acesso é destinado a mim, mas ainda pode ser considerado
semi-privado por ser lugar de encontro entre pessoas do círculo familiar de vez
em quando. Dessa forma, percebe-se que nenhum espaço é totalmente privado ou totalmente público, como Hertzberger já aponta. Todos os espaços tem as suas diversas possibilidades de ser.
O
ESPAÇO HABITÁVEL ENTRE AS COISAS
“As pessoas usam seu ambiente em cada situação da melhor forma que podem” Hertzberger, pág. 176.
Na minha casa, os peitoris das janelas são frequentemente usados de diferentes maneiras, como lugares de exposição de suculentas a porta-retratos. Utilizamos também o pequeno espaço de acabamento entre os níveis da rampa, visível na segunda foto abaixo, para colocarmos chaves, óculos, carteiras temporariamente, normalmente quando estamos do lado de fora da casa e desejamos guardar um objeto do lado de dentro, mas sem subir a rampa totalmente. Dessa forma, quando vamos realmente entrar em casa, pegamos as coisas que deixamos lá mais cedo e subimos com tudo de uma só vez.
“A providência mais elementar para capacitar as pessoas a se apossarem de seu ambiente imediato é provavelmente o assento” Hertzberger, pág. 177.
Essa mureta na garagem que segue a inclinação da rampa do lado de dentro é usada também para deixar objetos, dessa vez por mais tempo, como as tintas e algumas suculentas, além de oferecer um espaço para sentar temporariamente. Utilizo-o para sentar, por exemplo, quando faço exercícios na garagem e desejo descansar, uma vez que no local não existem outros bancos disponíveis. Outro exemplo de diferentes usos é a beirada do canteiro da horta que usamos também como um assento informal, apesar de dessa vez existirem bancos no local. Tudo é uma oferta, polivalência.
VISÃO
Hertzberger afirma que “o uso excepcionalmente amplo do vidro, (...) reflete uma abertura de espírito às opiniões dos outros” (pág. 216). A minha casa tem muitas janelas e especialmente portas de vidro que têm visão para o lado externo da vila e para o jardim privado (as janelas não tem a visão para a rua). Mesmo que a varanda da frente esteja em um nível acima do solo, quem está embaixo consegue visualizar o que acontece tanto na varanda quanto na sala, assim como nos quartos, quando anoitece. Ainda assim, os moradores daqui têm a vantagem de conseguir ver parcialmente o que acontece na área comum da vila. Apesar de a casa não ter visão para a rua, a rua tem visão para a casa.
O real “problema” está na
parte de trás da casa, devido ao terreno acidentado e a consequente diferença
de níveis entre a casa e a rua de cima, onde se localiza o hospital, um prédio
de quatro andares. Consequentemente, quem está dentro do hospital e, até em
alguns momentos, na rua, consegue ver o que acontece dentro da casa,
especialmente à noite quando as luzes estão acesas, mesmo que o muro seja muito
alto.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQHmec4ofrPZ2XuIayft3XpgkDsDQSMBF-W_lEk5xd9zE7pmo0HmYzSWvIWuN336-rV8CLEKmnYygbHjz9aDClzOnBgCV7fQ79_jJh9Rp-C8ihnG8Ey9jYsETG2tJ7ofCO8ydNUm3Ye_3K/s320/WhatsApp+Image+2021-02-24+at+18.11.08.jpeg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwM8XLuonRwnmUB5wFOb1o9s451TAr-lEODDPetVK5ilANh_mvqGg0ngQdGsi8Hj9v5ulRIyOu-Tr5BDLWfwBUDNeOtgOuned8hLhq5EHcmGlr0z0zGtHuvFaDUiQU7DscQYpG5QswfF2q/w181-h241/WhatsApp+Image+2021-02-24+at+18.11.09.jpeg)
Hertzberger afirma que atualmente os conceitos de exterior e interior são relativos, e que a visão da casa para a rua ajuda os moradores a se conectarem com o mundo exterior. No meu caso, essa relação com o mundo exterior é concedida em partes. A varanda, com sua visão para a movimentação da vila, é um tipo de conector com o exterior, por mais que o exterior seja privado. No entanto, apesar de quem está na rua conseguir ver dentro da casa, quem está dentro não consegue ter contato um igual com a rua e o espaço público. Hertzberger também diz que “devemos procurar o equilíbrio entre visão e reclusão, ou seja, buscar uma organização espacial que torne qualquer um, em qualquer situação, capaz de escolher a sua posição em relação aos outros” (pág. 202). Neste caso, o ideal que Hertzberger prega não é praticado totalmente, e a situação de falta de privacidade foi resolvida pela colocação de cortinas que são fechadas durante a noite.
A
RUA
A minha rua é basicamente um grande
estacionamento, então o fluxo de carros é intenso durante o dia e mínimo
durante a noite. Como sou privilegiada em morar em um lugar com muito espaço
livre, não habito muito a minha rua. Além disso, só duas casas, incluindo a
minha, tem entrada por essa rua, tornando-a pouco habitável e atrativa na
maioria do tempo. Entretanto, as pessoas sempre conseguem reverter a situação:
quando está vazia, vira um playground para as crianças e adultos, que utilizam-na
para brincar e praticar exercícios físicos.
O conceito de Hertzberger de rua é
amplo, mas no livro ele traz exemplos como as Moradias Haarlammer Houttuinen,
na Holanda, onde nas ruas especialmente voltadas para as pessoas os carros são
praticamente proibidos, que não se assemelham à minha realidade e relação com o
exterior. A valorização dos carros neste caso gerou a desvalorização do
conceito de rua, a qual deveria ser uma “sala-de-estar comunitária” segundo as
abordagens do autor.
Hertzberger também aborda uma questão
interessante que é o conceito de rua de convivência, baseada na ideia de que os
moradores tem algo em comum. Esse é o caso da vila, que é basicamente uma rua
de convivência entre pessoas da mesma família, que necessitam umas das outras e
que estão presentes nas vidas umas das outras diariamente. O controle social
acaba acontecendo e é muito visível, pois nos espaços comunitários todos
conseguem ver o que fazemos. Contudo, o problema é mascarado por conta do
sentimento de pertencimento com o local e o fato da convivência trazer mais benefícios
para todos, especialmente no caso dos idosos, que sempre podem estar em contato
com alguém.
DEMARCAÇÕES
PRIVADAS NO ESPAÇO PÚBLICO
Há algum tempo, quando o
estacionamento foi construído, uma moradora de um bairro vizinho decidiu
interpretar que o lugar precisava de alguma vida, e decidiu ser a encarregada
de mudar a situação. Nos canteiros, ela plantou algumas árvores no canteiro vazio
e, apesar de morar relativamente longe, todos os dias aparecia para regar suas
plantas enquanto passeava com seu cachorro. Fez isso durante anos, e as árvores
já estão grandes. É interessante ver que ela se sentiu responsável por um
espaço que é de todos, mas que poucos pensam em cuidar. Como Hertzberger
afirma, o espaço nem sempre foi pensado para ser convidativo, como acredito que
tenha sido o caso da minha rua, mas as pessoas acabam se identificando com ele
e deixando as suas marcas ao longo do tempo.
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